JUSTIÇA

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sábado, 14 de dezembro de 2013

Parâmetros de Eficácia e Critérios de Interpretação do Precedente Judicial

Autor:
TUCCI, José Rogério Cruz e


RESUMO: Atualmente, inúmeras e intrincadas são as questões que emergem da complexa temática relacionada ao precedente judicial (a decisão individualizada de um caso concreto). Costuma-se indicar os sujeitos da argumentação jurídica com a fórmula "doutrina e jurisprudência", mas a doutrina que o juiz utiliza ao proferir a sentença é, no mais das vezes, a doutrina individuada, selecionada e ilustrada pelo advogado, cuja obra passa despercebida. Mais: costuma-se afirmar que são a doutrina e a jurisprudência as fontes responsáveis pelas inovações no campo do direito. Contudo, quantas vezes essas inovações, cuja paternidade é atribuída aos tribunais, foram sugeridas nos arrazoados dos advogados. É fundamental o papel do advogado na construção dos precedentes judiciais. Desse modo, tanto nos países de common law quanto de civil law, estabelece-se um diálogo perene entre os operadores do direito, na consecução de um fim perseguido por todos, vale dizer, a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

PALAVRAS-CHAVE: Precedente Judicial. Repercussão em Julgamentos Futuros. Interpretação.

1 À Guisa de Introdução

Na atualidade, qualquer que seja a experiência jurídica, inúmeras e cada vez mais intrincadas são as questões que emergem da complexa temática relacionada ao precedente judicial(1).

Basta consultar, v.g., para ter-se a exata compreensão dessa tendência metodológica, a importante coletânea coordenada por Neil MacCormick e Robert Summers, sob o título Interpreting Precedents: a Comparative Study, que encerra 18 preciosos ensaios dedicados à influência da jurisprudência em países de common law e de civil law(2).

Acerca desse assunto, instado, por força de pesquisa acadêmica, a examinar a doutrina de Francesco Galgano, renomado privatista da Universidade de Bolonha e autor da mais completa obra já escrita sobre negócio jurídico(3), deparei-me com o título de um artigo que me chamou a atenção: Il Contraddittorio Processuale È Ora Nella Costituzione(4).

Galgano, em princípio, preocupara-se com a nova redação do art. 111 da Constituição italiana, introduzida em 1999, que passou a contemplar, de modo expresso e incisivo, a garantia do contraditório efetivo em toda espécie de processo contencioso.

Imaginei que se tratava, até mesmo pelas dimensões do escrito (apenas 5 páginas), de singelo comentário, de um jurista teórico, sobre tema de direito processual constitucional.

No entanto, atraído pela curiosidade, fiquei realmente surpreso com a indagação preambular formulada pelo referido autor, qual seja onde é que se encontra a legitimação do juiz para proferir o julgamento?

Respondendo que a investidura do juiz provém da lei, mas a legitimação da sentença decorre da efetiva participação e defesa dos litigantes, Galgano destaca ser inviolável a atuação profissional do advogado.

Costuma-se indicar os sujeitos da argumentação jurídica com a fórmula "doutrina e jurisprudência", mas a doutrina que o juiz utiliza ao proferir a sentença é, no mais das vezes, a doutrina individuada, selecionada e ilustrada pelo advogado, cuja obra passa despercebida. Mais: costuma-se afirmar que são a doutrina e a jurisprudência as fontes responsáveis pelas inovações no campo do direito.

Contudo, quantas vezes essas inovações, cuja paternidade é atribuída aos tribunais, foram sugeridas nos arrazoados dos advogados. Assim, sob esse aspecto, que não é de secundária importância - aduz o jurista peninsular -, a contribuição criativa do advogado à administração da justiça merece ser certificada e valorizada...

E, assim, nesse contexto, vem sobrelevado o fundamental papel do advogado na construção dos precedentes judiciais. Longe de constituir obra exclusiva do órgão jurisdicional, assevera Galgano, à luz da experiência prática do direito, que a produção e constante evolução da jurisprudência é fruto do esforço conjunto dos juízes e dos advogados.

A estes, de um modo geral, cabe a criação e o aprimoramento das teses jurídicas que são diuturnamente submetidas à apreciação daqueles. Ato contínuo, a orientação adotada pelas cortes de justiça presta-se, a seu turno, a subsidiar os arrazoados dos defensores dos interesses em jogo, que passam a invocar os posicionamentos pretorianos já consolidados, e assim por diante...

Desse modo, tanto nos países de common law quanto de civil law, estabelece-se um diálogo perene entre os operadores do direito, na consecução de um fim perseguido por todos, vale dizer, a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

2 Repercussão do Precedente Judicial nos Futuros Julgamentos

É, assim, interessante notar, já sob outro enfoque, que a dimensão da eficácia do precedente concerne à intensidade da influência que ele exerce sobre a decisão de um caso futuro. O ponto de referência normativo no âmbito do common law é exatamente o precedente judicial, enquanto, no tradicional sistema de fontes do direito que vigora nos países regidos pelo civil law, o precedente, geralmente dotado de força persuasiva, é considerado fonte secundária ou fonte de conhecimento do direito(5).

O precedente judicial é, pois, um fenômeno extremamente difuso, presente e relevante nos modelos jurídicos de época contemporânea, cada vez mais reforçado pela função de interpretação e aplicação uniforme (nomofilácica) do direito pelas Supremas Cortes(6).

Existem, como se observa, "degraus" ou "parâmetros" de eficácia das decisões judiciais em relação a subsequentes julgamentos. A doutrina estrangeira, de fato, refere-se a "degrees of normative force"(7).

Taruffo e La Torre (8), a seu turno, observam que, no sistema italiano, é a posição hierárquica do tribunal que determina o "grau de força persuasiva" dos precedentes. Desse modo, aqueles provenientes da Corte Constitucional, da Corte de Cassação e do Conselho de Estado (em matéria administrativa) detêm maior eficácia em relação àqueles proferidos pelos demais tribunais da Itália.

Com efeito, o valor intrínseco do precedente judicial, que constitui o ponto de referência normativo de toda a teoria do stare decisis (da expressão latina: stare decisis et non quieta movere = mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido), projeta uma eficácia de altíssimo grau, dita vinculante, nos julgamentos sucessivos proferidos em causas análogas.

Anota Schauer que os tribunais do common law devem se curvar ao precedente da mesma forma que devem seguir a Constituição e, ainda, outros textos legais (statutes) (9).

O conceito de ratio decidendi (ou também holding), na qual se escuda a doctrine of binding precedent, mostra que é a tese jurídica suficiente a decidir o caso concreto (rule of law), e não a parte dispositiva da decisão, que produz eficácia vinculante e que deve nortear a interpretação judicial em momento posterior.

Ressalte-se, por outro lado, que, nos sistemas jurídicos de civil law, o precedente judicial ostenta, em regra, apenas força persuasiva. Tal eficácia, dependendo de inúmeras variantes, pode ser maior ou menor.

Importa esclarecer, outrossim, que em determinados ordenamentos jurídicos de direito escrito, como, e.g., o da Espanha e o do Brasil, adota-se um modelo misto, vale dizer, de precedentes vinculantes e de precedentes persuasivos.

3 Stare Decisis: Tradição e Praxe Judiciária

Matthew Hale, autor de clássica história do common law, asseverava, ainda no século XVII, que as decisões judiciais possuíam grande peso e autoridade, especialmente quando congruentes com anteriores julgamentos (10).

Aduza-se, por oportuno, que até o século XVIII os denominados Law Reports eram coletâneas particulares e, portanto, assegurava-se aos juízes ampla discricionariedade em acolher ou não um determinado precedente judicial.

Partindo desse pressuposto, afirmava Blackstone que a antiga regra de julgar com base no precedente paradigma poderia sofrer exceção quando a anterior decisão fosse contrária à razão ou, ainda, com maior evidência, contrária à lei divina; "mas, mesmo nessas hipóteses" - continuava - "o precedente não deve ser seguido, ainda que os juízes subsequentes não pretendam criar direito, mas reproduzir o velho, conquanto errado" (11).

Na experiência jurídica inglesa, com a maturação necessária, a regra do precedente é aperfeiçoada, entendendo-se que não era o caso julgado em si que irrompia importante, mas, sim, a ratio decidendi, isto é, a tese ou o princípio de direito contido na sentença.

Chief Justice Lord Mansfield, destacado magistrado da segunda metade do século XVIII, afirmou, em sucessivos julgamentos, que: "o direito da Inglaterra seria mesmo uma estranha ciência se as decisões se fundassem apenas nos precedentes. Na verdade, os precedentes servem para iluminar os princípios e para conferir-lhes estável certeza" (12).

É, então, a partir das primeiras décadas do século XIX que vem reconhecida a eficácia vinculante do precedente judicial.

Na conhecida decisão do caso Beamisch v. Beamisch, conduzida, em 1861, pelo Lord Campbell, ficou virtualmente estabelecido que a House of Lords estaria obrigada a acatar a sua própria autoridade proclamada nos julgamentos: "(...) o direito declarado na ratio decidendi, sendo claramente vinculante para todas as cortes inferiores e todos os súditos do reino, se não fosse considerado igualmente vinculante para os Law Lords, a House of Lords se arrogaria o poder de alterar o direito e legiferar com autônoma autoridade".

Desse modo, e por paradoxal que possa parecer, verifica-se que "a doctrine of precedent vem ancorada à teoria constitucional da separação dos poderes e da supremacia do Parlamento, tornando 'heresia' qualquer tentativa de superá-la" (13).

No entanto, a mesma corte de justiça já havia declarado, anos antes, em Bright v. Hutton (1852), que, a exemplo de qualquer tribunal, "ela também possuía um inerente poder para corrigir eventuais erros que porventura tivesse cometido".

Segundo consta, a House of Lords exerceu, pela primeira vez, essa prerrogativa uma centúria depois, somente em 26 de julho 1966, ocasião em que o Chancellor Lord Gardner proclamou, em nome de todos os componentes da corte, em uma resolução específica - Practice Statement of Judicial Precedent -, que era prudente rever orientação emitida no passado, quando parecesse correto: "Os Law Lords consideram o uso do precedente um indispensável fundamento para determinar o direito e sua aplicação aos casos individuais. Este fornece pelo menos um grau de certeza sobre o qual os cidadãos podem nortear a conduta dos próprios negócios, e também uma base para o desenvolvimento ordenado das regras legais. Os Law Lords, todavia, reconhecem que a adesão muito rígida ao precedente pode trazer injustiças em certos casos, e ainda restringir indevidamente a evolução futura do direito. A despeito de ser normalmente vinculante um precedente pronunciamento da House of Lords, os seus integrantes propõem modificar a praxe atual, podendo superar uma precedente decisão quando pareça oportuno ('[...] when it appears right to do so')".

Esse Practice Statement assinalou, com certeza, marcante mudança de rumo na teoria do stare decisis, embora a aplicação prática dessa nova concepção sempre fosse muito reduzida: o primeiro caso registrado de overruling em tais termos é de 1968, seguindo-se-lhe um número insignificante (14).

É evidente que aquela anterior postura, de intransigente rigidez, colocava a magistratura inglesa em difícil situação diante da evolução natural do direito. Revelava-se, portanto, de todo procedente a afirmação que se tornou famosa, formulada por Arthur Goodhart na primeira metade do século XX, no sentido de que: "o juiz inglês é um escravo do passado e um déspota do futuro"(15).

Aduza-se que a moderna teoria do stare decisis, governada pelo princípio do precedente (vertical) com força obrigatória externa para todas as cortes inferiores, veio definitivamente consagrada em prestigiada doutrina de um dos maiores juristas ingleses de todos os tempos, Sir Baron Parke J., que, por certo, inspirado na velha lição de Blackstone, escreveu: "o nosso sistema de common law consiste na aplicação, a novos episódios, de regras legais derivadas de princípios jurídicos e de precedentes judiciais; e, com o escopo de conservar uniformidade, consistência e certeza, devemos aplicar tais regras, desde que não se afigurem ilógicas e inconvenientes, a todos os casos que surgirem; e não dispomos da liberdade de rejeitá-las e de desprezar a analogia nos casos em que ainda não foram judicialmente aplicadas, ainda que entendamos que as referidas regras não sejam tão razoáveis e oportunas quanto desejaríamos que fossem. Parece-me de grande importância ter presente esse princípio de julgamento, não meramente para a solução de um caso particular, mas para o interesse do direito como ciência"(16).

A doctrine of binding precedent, já declarada com todas as letras no caso Beamisch v. Beamisch, repetida no caso Bradford v. Pickles (1895), vem definitivamente reconhecida, em 1898, no caso London Tramways Company v. London County Council, ocasião em que a House of Lords reiterou a obrigatoriedade de nortear-se pelas suas próprias anteriores decisões (efeito autovinculante), como, ainda, patenteou a eficácia externa destas a todas as cortes de grau inferior.

Tratava-se de uma ação condenatória promovida pela empresa privada de transporte que fora "desapropriada" pelo governo municipal, na qual pretendia indenização equivalente à soma do patrimônio imobilizado e, ainda, do good will value, isto é, da previsibilidade futura de lucro, enquanto o demandado afirmava que devia ser considerado apenas o montante relativo ao maquinário e ao estabelecimento. A diferença monetária, à toda evidência, era enorme.

Sucede que, quatro anos antes, a justiça inglesa tinha sido instada a examinar um caso análogo (London Sreet Tramways Lt. v. London County Council [1894]). Já existia, portanto, pelo menos um valioso precedent in point da House of Lords (17).

O trecho realmente importante desse histórico documento foi o em que constou a afirmação peremptória do Lord Halsbury, no sentido de que tal regra estava "assentada desde há alguns séculos" (for several centuries) (18).

Além da força obrigatória do precedente (binding precedent), que é conotação essencial de toda a teoria do stare decisis, vem ela também caracterizada por uma hierarquia funcional muito bem articulada.

Os Judicatures Acts, de 1873 a 1875, que regulamentaram as regras da equity, estabeleceram, ainda, a fusão e a moderna estrutura das cortes de justiça inglesas.

O efeito vinculante das decisões já proferidas encontra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere. Normalmente, na experiência jurídica do common law, o julgado vincula a própria corte (eficácia horizontal interna), bem como todos os órgãos inferiores (eficácia vertical externa). Não se delineia possível, à evidência, a aplicação dessa regra em senso contrário.

No Reino Unido, pois, todo precedente judicial da House of Lords, de natureza colegiada ou monocrática, reveste-se de força vinculante no âmbito das cortes inferiores, ou seja, a Court of Appeal, a High Court, as Crown Courts, as County Courts e as Magistrates Courts, todas evidentemente dotadas de competência recursal e originária especificamente definidas.

Com a mesma força obrigatória, os julgados da Court of Appeal vinculam, em casos análogos, as suas decisões futuras e aquelas dos tribunais de grau menos elevado (19).

Observe-se, por outro lado, que o estilo de julgamento, no âmbito do common law, é caracterizado pela "autorreferência" jurisprudencial. Na verdade, pela própria técnica do precedente vinculante, impõe-se, na grande maioria das vezes, a exigência de que a corte invoque, para acolher ou rejeitar, julgado ou julgados anteriores. Em outras palavras, a fundamentação de uma decisão deve, necessariamente, conter expressa alusão à jurisprudência de tribunal superior ou da própria corte.

Já no que concerne à experiência dos Estados Unidos, desde a época de sua colonização, o sistema baseado no case law vigora em praticamente todo o território norte-americano. No entanto, por inúmeras razões, durante o século XVIII, o direito dos Estados Unidos distanciou-se da antiga tradição jurídica da Grã-Bretanha.

A estrutura constitucional assentada no federalismo e na rígida divisão de poderes acarretou ao ordenamento jurídico dos Estados Unidos profundos contrastes em relação ao direito inglês.

Ressalte-se, no entanto, que, sob o ponto de vista histórico, o direito norte-americano, apesar de fragmentado, seguiu, pari passu, a experiência jurídica britânica até a promulgação da Constituição dos Estados Unidos, em 1787.

Importa registrar que a recepção do common law nos Estados Unidos não se fez de modo automático. As realidades de uma nação do Novo Mundo, com as dimensões continentais dos Estados Unidos, não permitiram a adoção de institutos forjados para uma sociedade circundada por água e profundamente enraizados em uma mundivisão feudal, como é o caso do direito agrário (land law); "por tais razões, os institutos como a primogenitura, que é a base do sistema hereditário na Inglaterra, nunca tiveram qualquer aceitação nos Estados Unidos. Outra diferença notável é o fato de os Estados Unidos terem sido formados sob a égide da liberdade de culto religioso, em uma fase histórica em que a equity já estava laicizada nos tribunais que a aplicavam; a influência do direito declarado pelos tribunais quase eclesiásticos do Chanceler do Rei, a equity (antes ou após a Reforma anglicana), teve uma influência relativa sobre o direito norte-americano como um todo" (20).

A partir daquele referido momento, as fontes do direito americano são basicamente a Constituição, as leis ordinárias federais (US Statutes - e.g.: Uniform Commercial Code; Federal Rules of Civil Procedure) e estaduais, e as regras herdadas do common law. Embora estas sejam aplicadas em caráter subsidiário, apenas para suprir eventuais lacunas das leis escritas, possuem inequívoca relevância na atividade jurídica dos Estados Unidos.

O primeiro Law Report americano foi publicado em Connecticut, em 1789. Não demorou muito para que vários Estados regulamentassem a edição de coleções oficiais. Em outros, os próprios juízes das Courts of Appeals providenciavam a seleção e publicação por sua própria iniciativa (21).

Tenha-se presente que as normas recepcionadas durante muitos séculos não só influenciaram o direito material como, também, determinaram a adoção do procedimento decisório nos moldes do common law. Sem embargo de inúmeras adequações ao contexto institucional americano, as cortes de justiça dos Estados Unidos julgam, com vigorosa frequência, segundo os princípios da teoria do stare decisis, referido pela própria doutrina como decisional law (22).

A literatura especializada alude a determinados "superprecedentes" que, desde o início do século XIX, são consagrados pela Suprema Corte. Esses julgados encontram-se tão arraigados ("too strong and obstinate") na experiência prática dos tribunais norte-americanos que "não devem sofrer qualquer distúrbio". A propósito, Michael Gerhardt, no seu interessante livro The Power of Precedent, invoca, como clássico exemplo de um "superprecedente", Marbury v. Madison (1803), em matéria de controle incidental de constitucionalidade (23).

Ademais, cumpre, também, salientar que a praxe das cortes americanas aplica com menor rigidez a regra do binding precedent.

Summers bem explica que, em certas situações, regradas por lei (statute), eventuais precedentes detêm menor peso. Não obstante, um julgado que interpreta o texto legal passa a ter, em seguida, binding force para futuros casos análogos (24).

Verifica-se que, ainda hoje, prevalece entre os juristas norte-americanos a ideia clássica de que o sistema do common law "consiste em aplicar a razão e a experiência. Toda a teoria que daí decorre parte da suposição de que a experiência proporcionará o fundamento mais satisfatório para os standards da ação e princípios de decisão. Sustenta-se, com acerto, que o direito não pode ser criado arbitrariamente por um fiat da vontade soberana, mas, sim, descoberto pela experiência judicial e jurídica baseada em regras e princípios que, no passado, lograram alcançar uma solução justa ou fracassaram nesse intento (...)" (25).

4 Determinantes do Superamento do Precedente

Durante toda a evolução histórica da atividade judicial, a força vinculante das decisões sofreu profundas alterações, sendo correto afirmar-se que, hoje, nem mesmo a House of Lords encontra-se absolutamente adstrita às suas próprias decisões.

Aduza-se que, sob tal perspectiva, as técnicas do overruling (common law) e do revirement (civil law) representam situações específicas e excepcionais com o escopo de excluir do ordenamento jurídico determinado precedente, para substituí-lo por outro que melhor se ajuste à hipótese sub examine.

Em princípio, nos sistemas dominados pelas regras do common law, todo precedente deve ser considerado nos julgamentos futuros de casos análogos.

Schauer, discorrendo sobre a eficácia vinculante, ínsita às rules of law moldadas nos pretéritos julgamentos, assevera que, paradoxalmente, as cortes de justiça, em princípio, têm o dever de seguir o precedente não apenas quando imaginam estar ele correto, mas, ainda, quando entendem que o precedente emerge incorreto (26).

Observam, nesse mesmo sentido, Atiyah e Summers (27): "The concept of a system of precedent is that it constrains judges in some cases to follow decisions they do not agree with".

Todavia, a inexorável evolução do direito determinada pela dinâmica social dos países que se orientam pela doctrine of binding precedent permite que, em certas circunstâncias, venha oposta exceção à referida regra.

Apontando as causas de superamento de determinada tese jurídica, Patrícia Perrone Campos Mello, em sua sólida pesquisa sobre essa temática, destaca que o precedente judicial perde normalmente seu status quando: a) desponta contraditório, b) torna-se ultrapassado, c) é colhido pela obsolescência em virtude de mutações jurídicas, ou, ainda, d) encontra-se equivocado.

Assinala, a propósito, que tais fatores conduzem, em síntese, a "duas razões para se revogar um precedente: sua incongruência social e sua inconsistência sistêmica. A incongruência social alude a uma relação de incompatibilidade entre as normas jurídicas e os standards sociais, corresponde a um vínculo negativo entre as decisões judiciais e as expectativas dos cidadãos. Ela é um dado relevante na revogação de um precedente porque a preservação de um julgado errado, injusto e obsoleto até pode atender aos anseios de estabilidade, regularidade e previsibilidade dos técnicos do direito, mas aviltará o sentimento de segurança do cidadão comum". Já a ideia de inconsistência sistêmica aponta para uma desarmonia entre as diversas regras que compõem um determinado ordenamento jurídico... (28).

Com efeito, as cortes superiores podem, então, substituir - overruled - um determinado precedente por ser considerado ultrapassado ou, ainda, errado (per incuriam ou per ignorantia legis). A decisão que acolhe nova orientação incumbe-se de revogar expressamente a ratio decidendi anterior (express overruling). Nesse caso, o antigo paradigma hermenêutico perde todo o seu valor vinculante.

É possível, também, que, sem qualquer alusão ao posicionamento jurisprudencial assentado, a nova decisão siga diferente vetor. Tem-se aí, embora mais raramente, uma revogação implícita do precedente (implied overruling), similar à ab-rogação indireta de uma lei (29).

Distinguem-se, ainda, como exceção à regra do precedente vinculante:

a) a retrospective overruling: quando a revogação opera efeito ex tunc, não permitindo que a anterior decisão, então substituída, seja invocada como paradigma em casos pretéritos, que aguardam julgamento;

b) a prospective overruling: instituída pela Suprema Corte americana, na qual o precedente é revogado com eficácia ex nunc, isto é, somente em relação aos casos sucessivos, significando que a ratio decidendi substituída continua a ser emblemática, como precedente vinculante, aos fatos anteriormente ocorridos;

c) a anticipatory overruling: introduzida, com inescondível arrojo, pelos tribunais dos Estados Unidos. Consiste na revogação preventiva do precedente, pelas cortes inferiores, ao fundamento de que não mais constitui good law, como já teria sido reconhecido pelo próprio tribunal ad quem. Basta, portanto, que na jurisprudência da corte superior tenha ocorrido, ainda que implicitamente, uma alteração de rumo atinente ao respectivo precedente. Ocorre, aí, "uma espécie de delegação tácita de poder para proceder-se ao overruling" (30).

É certo que todos esses mecanismos estão a evidenciar que a força vinculante do precedente não impede que uma determinada tese dominante, antes sedimentada, possa ser superada, passando-se a um novo processo de "normatização pretoriana". A mutação progressiva de paradigmas de interpretação de um determinado episódio da vida, dotado de relevância jurídica, sempre veio imposta pela historicidade da realidade social, constituindo mesmo uma exigência de justiça...

Saliente-se que o superamento do precedente judicial, pelas mesmas razões supra-alinhadas, igualmente se observa nos sistemas de civil law.

Seja como for, acerca desse assunto, deve ter-se presente que a abrupta alteração dos rumos da jurisprudência acarreta, em regra, gravíssimas consequências no plano da dinâmica do direito, visto que: a) vulnera a previsibilidade dos pronunciamentos judiciais, e, por via de consequência, b) produz insegurança jurídica.

Desse modo, para evitar esses sérios inconvenientes é que foi instituída a denominada prospective overruling. Nesse sentido, o mecanismo da modulação dos efeitos constitui importantíssimo instrumento técnico, a ser prestigiado pelo legislador e pelos tribunais.

Ressalta, a esse respeito, Marinoni que: "quando nada indica provável revogação de um precedente, e, assim, os jurisdicionados nele depositam confiança justificada para pautar suas condutas, entende-se que, em nome da proteção da confiança, é possível revogar o precedente com efeitos puramente prospectivos, a partir do trânsito em julgado, ou mesmo com efeitos prospectivos, a partir de certa data ou evento. Isso ocorre para que as situações que se formaram com base no precedente não sejam atingidas pela nova regra (...)" (31).

Ademais, o "abandono" do precedente, sobretudo no ambiente de uma experiência jurídica dominada pelo case law, exige do órgão judicial uma carga de argumentação que supõe não apenas a explicação ordinária das razões de fato e de direito que fundamentam a decisão, mas, ainda, justificação complementar. Essa imposição natural é geralmente esclarecida pelo denominado princípio da inércia, segundo o qual a orientação já adotada em várias oportunidades deve ser mantida no futuro (por ser presumivelmente correta, pelo desejo de coerência e pela força do hábito). Não pode, pois, ser desprezada sem uma motivação satisfatória (32).

No direito norte-americano, tanto a Suprema Corte quanto os tribunais superiores dos respectivos Estados, ao longo da história, reveem seus precedentes quando manifestamente equivocados ou ultrapassados. Encontra-se expressivo exemplo da prática do overruling em uma conhecida situação em que um consumidor acionou um fabricante de automóveis visando a receber indenização por danos pessoais, resultantes de defeito no carro. O tribunal de apelação reformou a sentença de primeiro grau, eximindo o fabricante de qualquer responsabilidade em relação ao demandante, porque este não era o comprador original. O automóvel havia sido adquirido de um terceiro (33).

Ocorre que, posteriormente, por força de um writ of error (espécie de ação rescisória), a mesma corte, reexaminando a orientação que antes prevalecera e desconsiderando o caráter privado do contrato, julgou procedente o pedido de indenização, isto é, favorável ao consumidor, com fundamento em precedente do Tribunal de Apelação do Estado de New York (MacPherson v. Buick Motor Co.) (34).

5 Tipologia do Precedente na Experiência Jurídica Brasileira

Na atualidade, o direito brasileiro adota um modelo misto quanto à eficácia dos precedentes judiciais, a saber: a) precedentes com eficácia meramente persuasiva, b) precedentes com relativa eficácia vinculante e c) precedentes com eficácia vinculante(35).

a) Precedentes com eficácia meramente persuasiva

A doutrina civilista pátria de época contemporânea, claramente dominada pelos influxos do condicionamento histórico, apresenta marcante tendência de admitir apenas eficácia persuasiva aos precedentes judiciais.

Entre aqueles que cuidaram do tema, Mário Guimarães, na obra O Juiz e a Função Jurisdicional (36), foi incisivo em afirmar que a jurisprudência dos tribunais é fruto da sabedoria dos experientes: é "o conselho precavido dos mais velhos. Quem conhece a lei e ignora a jurisprudência, diz, com exagero embora, Dupliant, não conhece quase nada".

A monografia clássica de Rubens Limongi França traz um rol de "jurisprudencialistas", de ontem e de hoje, que enalteceram a posição da atividade judicial como forma de expressão do direito. Emitindo a sua própria opinião, Limongi França escreve que a regra básica, na esfera do civil law, é a de que os julgados anteriores não vinculam necessariamente o magistrado, ainda que provenham do mesmo tribunal ou de corte superior (37).

Não obstante, em caráter excepcional - conclui -, a repetição constante, racional e pacífica dos precedentes judiciais, que, nessa hipótese, forma a jurisprudência, pode efetivamente adquirir valor de preceito geral: "é, a nosso ver, quando, pela força da reiteração e, sobretudo, da necessidade de bem regular, de modo estável, uma situação não prevista, ou não resolvida expressamente pela lei, ela assume os caracteres de verdadeiro costume judiciário" (38).

Washington de Barros Monteiro, com a profunda experiência de magistrado, asseriu que, no sistema jurídico latino, menos preponderante é o papel do precedente judicial. Embora constitua ele "ótima fonte de consulta, não estão os juízes adstritos a segui-los. Por mais uniforme que seja a jurisprudência, por mais reiterados que sejam seus pronunciamentos, ela não representa norma imperativa... O único compromisso que têm os juízes é com a lei e a própria consciência. Os precedentes, que se examinam sob o aspecto da qualidade, e não da quantidade, ainda que proferidos em tempos calmos, e não de paixões, apenas constituem fontes de consulta, aliás, preciosas" (39).

Depois de sobrelevar o dilema entre a adoção da súmula vinculante e a ampliação do colégio de julgadores dos tribunais superiores, Dínio de Santis Garcia prefere deixar ao crivo destes a eleição das causas que realmente tenham interesse público digno de ser examinado em tal instância jurisdicional (40).

Considerando o papel das súmulas de jurisprudência, Miguel Reale afasta a relativa estabilidade destas dos efeitos dos binding precedents do common law e, ainda, exorta os juristas a zelar para que não se enferruje o mecanismo jurisdicional, de modo que os standards pretorianos sejam constantemente revistos, em razão de mutações supervenientes no sistema legal, ou, o que não é menos importante, por exigência de novos valores socioeconômicos e/ou culturais (41).

Realmente, entendo também que os precedentes judiciais constituem valioso subsídio que auxilia a hermenêutica de casos concretos, embora careçam de força vinculante. É importante relevar, a tal propósito, a constante possibilidade de revisão da jurisprudência sedimentada não apenas por iniciativa dos órgãos jurisdicionais, mas, igualmente, por provocação das partes interessadas.

Ademais, cabe aos magistrados outorgar aos precedentes dos tribunais superiores revestidos da marca de definitividade o valor e a influência aptos a orientar os órgãos inferiores e não desrespeitar, sem justificação plausível, a função nomofilácica àqueles atribuída pela Constituição Federal.

A despeito da inexistência de fundamento legal explícito a embasar tal raciocínio, dúvida não há de que decorre ele de nosso sistema jurídico, que não pode conviver com tamanho desvio das decisões provindas das mais altas cortes do país, justamente encarregadas pela Lei Maior a desenvolver a tarefa de controle da constitucionalidade (STF) e da legalidade infraconstitucional (STJ) (42).

Os processualistas mais ortodoxos que escreveram há algumas décadas seguiram também essa corrente de pensamento que sempre preponderou nos países de direito codificado.

Alfredo Buzaid, à luz do sistema processual civil vigente, assevera que os precedentes judiciais (exemplis), por mais prestigiados que sejam, não podem obrigar os juízes, que permanecem independentes, livres de qualquer subserviência hierárquica superior no exercício da atividade jurisdicional. E é exatamente esse aspecto que afasta a subordinação aos arestos dos altos tribunais(43).

Esta também a concepção de Roberto Rosas, ao defender que a jurisprudência é a reiteração de casos análogos passados para o rol dos fatos consumados, que apenas são passíveis de revisão por força de motivos relevantes ou de mutações nas duas origens ou fontes emanadoras: a lei ou a doutrina. Apenas nesse ponto "vislumbramos o entendimento da jurisprudência, já consolidada e incorporada aos repertórios jurisprudenciais, qual um código norteador das decisões a seguir" (44).

Hoje, a finalidade da súmula jurisprudencial, em particular do Superior Tribunal de Justiça, não é somente proporcionar maior estabilidade do direito, mas também facilitar o exercício profissional do advogado. Todavia, não se pode deixar de ter presente o seu caráter de precedente despido de eficácia normativa.

Mais recentemente, Vicente Greco Filho, ao examinar o incidente de uniformização de jurisprudência, sustenta que o precedente judicial vincula o órgão fracionário do tribunal para o julgamento do caso concreto, que deve seguir o entendimento fixado pelo plenário; no entanto, para os casos futuros, terá apenas a autoridade de um provimento já tomado e divulgado pela composição mais elevada da corte (45).

b) Precedentes com relativa eficácia vinculante ("force de facto")

Ressalte-se, sob outra perspectiva que, remodelando o antigo prejulgado, o Código de Processo Civil em vigor introduziu, nos arts. 476 a 479, o instituto da uniformização da jurisprudência, cuja instauração não constitui faculdade, mas, sim, dever do juiz.

A finalidade desse incidente processual, suscitável por qualquer juiz da turma julgadora ou por um dos litigantes, é a de provocar o prévio pronunciamento do tribunal de segundo ou superior grau acerca da interpretação de determinada tese ou norma jurídica, quando a seu respeito ocorre divergência.

Não se trata de recurso, embora constitua incidente da fase de julgamento deste, em prol do interesse público de certeza do direito, alcançada, também, pela uniformidade de entendimento judicial sobre determinada quaestio iuris.

Reconhecida a divergência, a maioria absoluta dos membros que integram o tribunal declara a interpretação a ser observada, que se transforma em súmula e passa a constituir precedente na uniformização da jurisprudência.

É até curioso assinalar que, enquanto o Supremo Tribunal Federal e, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editam, com destacada frequência, as suas respectivas súmulas, os tribunais regionais federais e estaduais dificilmente admitem a julgamento o incidente de uniformização de jurisprudência. É patente, nesse sentido, o infundado receio de submissão ao pensamento da maioria...

Certo é que os precedentes sumulados do Superior Tribunal de Justiça gozam de vigorosa força persuasiva (binding de facto), como, e.g., pode-se extrair de pronunciamento, exarado no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 428.452-MS, relatado pelo Ministro Castro Filho, in verbis: "a exigência da certidão de publicação do acórdão recorrido é entendimento pacificado não apenas neste STJ, como também no Pretório Excelso (...). Ainda que as súmulas não sejam lei em sentido formal, traduzem elas o entendimento reiterado dos tribunais no que diz respeito à interpretação de determinada questão (...)" (46).

Proferindo o voto condutor no julgamento do Recurso Especial 14.945-0-MG, concluiu o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira que, realmente, "não se justifica que os órgãos julgadores se mantenham renitentes à jurisprudência sumulada, cujo escopo, dentro do sistema jurídico, é alcançar a exegese que dê certeza aos jurisdicionados em temas polêmicos, uma vez que ninguém ficará seguro de seu direito ante jurisprudência incerta" (47).

Ademais, no modelo brasileiro vigente, tão eficaz é o precedente judicial sumulado, ou até mesmo "dominante", que, a partir da Lei nº 8.038/90 (art. 38), reiterada, sucessivamente, pelas Leis ns. 9.139/95 e 9.756/98, que deram nova redação ao art. 557 do Código de Processo Civil, qualquer recurso poderá ser liminarmente indeferido, pelo relator, quando o fundamento da irresignação colidir "com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".

Incide, nesse caso, a denominada súmula impeditiva de recurso(48).

Cite-se, como exemplo, o julgamento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 299.196-MG, relatado pelo Ministro Franciulli Netto, no qual ficou assentado que: "a expressão 'jurisprudência dominante do respectivo tribunal' somente pode servir de base para negar seguimento a recurso quando o entendimento adotado estiver de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sob pena de negar às partes o direito constitucional de acesso às vias excepcionais (extraordinária e especial)" (49).

E, diagnosticada tal situação, ou seja, interposto recurso contra tese sumulada ou orientação assentada, "impõe-se a aplicação da multa de que trata o art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil, arbitrada em 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor" (50).

Mas não é só. O § 1ºA do mesmo art. 557 dispõe que, se porventura "a decisão recorrida estiver em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Superior Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso".

Ressalte-se que, nessa derradeira hipótese, os efeitos ("quase") vinculantes do precedente judicial, sumulado ou dominante(51), chegam até a autorizar que decisão monocrática substitua o tradicional julgamento colegiado de segundo grau!

O precedente judicial, consagrado em súmula, adquire, assim, a dignidade que flui do elevado órgão de que emana, embora "não a autoridade intrínseca de fonte do direito" (52), porque apenas revela o sentido da lei. A súmula "não cria, não inova, não elabora lei; cinge-se a aplicá-la, o que significa que é a própria voz do legislador" (53).

A teor do art. 124 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência sumulada dispensa o recorrente de invocar precedentes judiciais em abono de seu direito.

Insta observar, por outro lado, que o ideal de uniformizar a interpretação e a aplicação do direito brasileiro irrompe realmente determinado, pelo fato de que o legislador brasileiro, ao lado daquele já existente, introduziu nova espécie de mecanismo visando a unificar a jurisprudência no âmbito de um mesmo tribunal.

Com efeito, inovando nessa matéria, a Lei nº 10.352/01 inseriu o § 1º no texto do art. 555 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: "ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso".

Dois são, como se observa, os pressupostos para a instauração do incidente, a ser provocado exclusivamente pelo relator do recurso: a) possibilidade de divergência ou verificação da existência da mesma e b) interesse público.

O propósito dessa alteração, consoante justificativa da Exposição de Motivos do Projeto da Câmara dos Deputados nº 3.474/00, que se converteu na aludida Lei, é o de que a técnica instituída emerge consagrada nos arts. 14, II, e 12, parágrafo único, II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, permitindo a "remessa do recurso a um colegiado maior, buscando compor ou prevenir divergência entre Turmas ou Câmaras em relevante questão de direito. Tal colegiado julgará plenamente o recurso, e a decisão, em consequência, irá impor-se como precedente jurisprudencial a ser tomado em conta pelo tribunal nos subsequentes julgamentos sobre a mesma matéria".

Aduz mais: "Essa sistemática supera, com grande vantagem técnica operacional, a do instituto da uniformização de jurisprudência, de limitadíssimo emprego em nossa prática forense. Diga-se que igualmente o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal prevê, nesses casos, possa a Turma transferir ao Plenário a competência para o julgamento do feito - art. 22, parágrafo único, alíneas a e b. Nada mais adequado, destarte, que permitir, também no âmbito dos tribunais de segundo grau, o uso dessa faculdade, com manifesto proveito ao superior interesse dos jurisdicionados na estabilidade jurídica que uma jurisprudência uniformizadora propicia".

Infere-se de logo o alto custo que tem sido pago pela determinação do legislador de época contemporânea, que não mede esforços em busca de mecanismos tendentes a trancar demandas judiciais em seu nascedouro. Conquanto deva ser reconhecido o espírito louvável que anima o propósito dos responsáveis pela reforma processual então introduzida, entendemos que tal alteração revela patente desconhecimento da realidade de nossos tribunais regionais quanto à disposição da maioria de seus integrantes em unificar os precedentes judiciais.

Em primeiro lugar, deve ser anotado que, pela ótica da segurança jurídica, qualquer divergência de entendimento dentro de um mesmo tribunal passa a ter interesse público. Só por essa razão já se infere a prevalência da tradicional técnica de uniformização sobre esta agora instituída.

Ressalte-se, outrossim, que o art. 476 do Código de Processo Civil, reconhecendo o interesse de todos os protagonistas do processo em evitar o dissídio pretoriano, outorga legitimidade a qualquer um dos juízes componentes do órgão colegiado, bem como às partes, para suscitar o respectivo incidente.

Ademais, o julgamento em duas fases subsequentes, denominado subjetivamente complexo, uma perante o pleno ou órgão especial do tribunal, destinada a fixar a tese atinente à quaestio iuris, e outra, diante do órgão fracionário suscitante do incidente, que detém a competência para ultimar o julgamento no caso concreto, constitui outro importante fator, característico do procedimento da uniformização de jurisprudência já consagrado no Código de Processo Civil, que supera em muito, sob o aspecto técnico, aquele que restou aprovado em 2001.

Enquanto o incidente processual regrado nos arts. 476 a 479 conduz à pacificação do entendimento sobre tese jurídica que integra a competência material de determinado pretório, o mecanismo introduzido preocupa-se apenas com a solução de um caso isolado. (54)

Seja como for, a atual sistemática passou a coexistir com o tradicional instituto da uniformização da jurisprudência.

Cumpre, ainda, acrescentar que, consoante o disposto no art. 546 do Código de Processo Civil, é cabível o recurso de embargos de divergência contra acórdão de turma, do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, que conflite com provimento de outro órgão fracionário da mesma corte.

Inspirados, por certo, no recurso de revista do direito anterior, esses embargos têm, também, por finalidade a uniformização intra muros dos julgados dos referidos tribunais.

c) Precedentes com eficácia vinculante

Hoje, no Brasil, detêm eficácia vinculante:

i) as súmulas do Supremo Tribunal Federal;

ii) as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais de Justiça, no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade; e

iii) as decisões proferidas no incidente de processos repetitivos.

A Emenda Constitucional nº 45/04 inseriu, no texto da Constituição Federal, o art. 103-A, que outorga ao Supremo Tribunal Federal a atribuição de aprovar súmula com eficácia vinculante vertical. A superveniente Lei nº 11.417/06 regulamentou o respectivo procedimento referente à súmula vinculante.

Por meio de iniciativa dos próprios integrantes do Supremo Tribunal Federal ou mediante requerimento dos legitimados, as súmulas poderão ser aprovadas por dois terços dos ministros e desde que se trate de matéria constitucional sobre a qual haja reiterados pronunciamentos, por certo, em sentido convergente.

A expressão "reiterados pronunciamentos", dada a sua evidente imprecisão, deverá ser interpretada a partir da existência de alguns precedentes uniformes sobre determinada questão. A análise objetiva da Suprema Corte é que irá estabelecer se a validade, a interpretação e os efeitos de uma quaestio iuris, de natureza constitucional, já se encontram suficientemente consolidados, a ponto de ser alçada à categoria de precedente sumulado.

O § 1º do art. 103-A traça, como pressuposto para a instauração do "procedimento de elaboração da súmula", a existência de "controvérsia atual" acerca de certa norma de conteúdo constitucional entre órgãos judiciários inferiores, ou entre estes e a administração pública, que possa colocar em crise a segurança jurídica e que redunde em significativa multiplicação de demandas similares.

Sendo aprovada, a eficácia da tese jurídica sumulada projetar-se-á, com força vinculante, a todos os demais órgãos jurisdicionais, de quaisquer instâncias, inclusive no âmbito da administração pública direta e indireta, em todos os níveis da federação.

Atribui-se, outrossim, ao próprio Supremo Tribunal Federal, no caput do mesmo art. 103-A, a faculdade de revisão ou cancelamento da regra sumulada, "na forma estabelecida em lei".

Preceitua, a propósito, o § 2º do aludido dispositivo que: "sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento da súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade".

Cumpre destacar que se autoriza expressamente, como se observa, a possibilidade de revisão ou mesmo de revogação da regra sumulada. Não é preciso dizer que, do contrário, ou seja, sem essa flexibilidade, haveria o perigo de estagnação da jurisprudência, "que não convém a sistema algum. O mais nobre dos predicados do chamado direito jurisprudencial é a sua capacidade de adaptar-se às mutações sociais e econômicas da nação, de modo a extrair dos textos constitucionais e legais a norma que no momento atenda aos reclamos axiológicos da sociedade" (55).

Anote-se, por outro lado, que, desde o advento da República, na esteira do modelo norte-americano, adotou-se no Brasil o controle difuso, por via incidental, outorgando-se competência a qualquer órgão do Poder Judiciário para conhecer, incidente e prejudicialmente, a questão da inconstitucionalidade.

Editada a Constituição de 16 de julho de 1934, todavia, passou-se a admitir o controle concentrado, direto, por via principal, ainda que bem limitado.

A suprarreferida Emenda Constitucional nº 45/04, alterando a redação do art. 103 da Constituição Federal, unificou a legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade. Hoje estão legitimados: a) o Presidente da República, b) a Mesa do Senado Federal, c) a Mesa da Câmara dos Deputados, d) a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal, f) o Procurador-Geral da República, g) o Conselho Federal da OAB, h) o partido político com representação no Congresso Nacional e i) a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

É bem de ver que, no plano federal, a competência para o controle jurisdicional de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual continua especificada, com exclusividade, ao Supremo Tribunal Federal, a quem também compete processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, contemplada no art. 103, § 2º, quando a norma legal que deveria ter sido regulamentada pelo legislador ordinário, e não o foi, estiver contida na Constituição Federal e, ainda, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, a teor do disposto no art. 102, § 1º.

Ressalte-se, outrossim, que a Emenda Constitucional nº 3/93, além de inúmeras modificações na ordem tributária, introduziu no art. 102, inciso I, da Constituição Federal a denominada ação declaratória de constitucionalidade, de competência originária do Supremo Tribunal Federal.

Importa notar que essa aludida reforma, no § 2º do art. 102, determinou, ainda, que: "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

Observa-se, assim, que a primordial razão política inspiradora do Legislativo federal foi, sem dúvida, a de instituir um mecanismo destinado a subordinar o desfecho de demandas em curso perante juízos inferiores - monocráticos e colegiados - à decisão do Excelso Pretório pátrio.

O procedimento da referida ação declaratória de constitucionalidade somente foi regulamentado pela Lei nº 9.868, de 1999, que também disciplinou aquele da tradicional ação direta de inconstitucionalidade.

Pois bem, verifica-se que esse diploma legal acabou ampliando de modo expressivo a eficácia vinculante dos precedentes do Supremo Tribunal Federal no tocante ao controle direto da constitucionalidade das leis. Abriu-se, assim, a passos largos, o caminho de adoção, no Brasil, do precedente judicial com força vinculante em situações em que se encontram em jogo importantes quaestiones iuris, de inequívoco peso político.

Dispõe, a respeito, o art. 28 da referida Lei nº 9.868 que: "dentro do prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão. Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal".

Procurando imprimir certeza jurídica nessa matéria, o respectivo acórdão delineia-se irrecorrível, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória (art. 26). Produz coisa julgada material, que vincula as autoridades aplicadoras da lei, que não mais poderão dar-lhe execução sob pena de afrontar a res iudicata, "uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em tese visa precisamente a atingir o efeito imediato de retirar a aplicabilidade da lei. Se não fosse assim, seria praticamente inútil a previsão constitucional de ação direta de inconstitucionalidade genérica" (56).

Cumpre, ainda, acrescentar que a Lei nº 9.882/99, que regulamentou o processo e o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, seguindo a mesma diretriz dos já aludidos mecanismos de controle direito da constitucionalidade da lei, determina, no art. 10, § 3º, que, em caso de procedência do pedido, "a decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público".

Não há dúvida, outrossim, de que a força vinculante erga omnes, suprarreferenciada, acentua o caráter de fonte de direito dos precedentes judiciais do Supremo Tribunal Federal.

Como bem pontuado, a propósito, a imutabilidade do conteúdo das decisões sobre a constitucionalidade dos textos legais, prevista expressamente no ordenamento jurídico, alça a produção da atividade judicial, em sistemas em que esta ocupa preeminente posição, ao mesmo nível da hierarquia da lei (57).

Por fim, visando, ainda uma vez, a combater a morosidade da justiça, a Lei nº 11.672/08 inseriu o art. 543-C no Código de Processo Civil, criando o denominado incidente de processos repetitivos, ao dispor: "quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo".

No que ora interessa, verifica-se que, a teor dos incisos I e II do § 7º do referido art. 543-C, publicado o acórdão proferido num determinado recurso especial, os recursos especiais com o respectivo procedimento sobrestado na corte de origem "terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou serão novamente examinados pelo Tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça".

Verifica-se que, sobretudo na primeira das situações delineadas no inciso I, o julgamento colegiado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça determina, com inequívoca força vinculante, a inadmissibilidade do recurso especial, que teve seu procedimento sobrestado.

6 Interpretação do Precedente Judicial

Delineia-se notável o aperfeiçoamento técnico de interpretação do precedente judicial, desenvolvido desde há muito pelos juristas do sistema do common law.

Pondera Galgano que o jurista continental ainda não está aparelhado - nem cultural nem tecnicamente - para lidar com a jurisprudência, ou melhor, com a ciência da interpretação da produção judiciária. Daí a necessidade de buscarmos os valiosos subsídios daquela experiência jurídica (58).

A ratio decidendi, como já observado, constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law). É essa regra de direito (e, jamais, de fato) que vincula os julgamentos futuros inter alia.

Sob o aspecto analítico, três são os elementos que a integram: a) a indicação dos fatos relevantes (statement of material facts), b) o raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning) e c) o juízo decisório (judgement) (59).

Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento posterior, ao examinarem-na como precedente, extrair a "norma legal" (abstraindo-a do caso) que poderá ou não incidir na situação concreta.

A submissão ao precedente, comumente referida pela expressão stare decisis, indica o dever jurídico de conformar-se às rationes dos precedentes (stare rationibus decidendi). A ratio decidendi encerra uma escolha, uma opção hermenêutica de cunho universal, "e repercute, portanto, sobre todos os casos futuros aos quais tenha ela pertinência: assim, o vínculo do stare decisis distingue-se do dever de respeito à res iudicata (que é a disciplina do caso concreto)" (60).

Frise-se que a literatura é enfática em acentuar esse caráter de "universalidade" da justificação das decisões judiciais (61).

É, certamente, em decorrência desse relevante aspecto, na órbita de um sistema jurídico estribado na observância compulsória dos precedentes, que as razões de decidir devem prever e sopesar a repercussão prática que determinada decisão poderá oferecer para o ordenamento jurídico globalmente considerado.

Não se afasta, até, a possibilidade de haver, em algumas ocasiões, um efetivo "receio judicial" de inclinar-se por determinada vertente (e, portanto, de potenciar a criação de precedente), que será seguida em grande número de decisões: "ides decidir, não a respeito de Isócrates, mas a respeito de uma regra de vida, se é mister filosofar" (62).

As cortes britânicas, sob tal perspectiva, pautam-se sempre "by a consequentialist reasoning", valorando, na fundamentação, qual solução "faz melhor sentido como um comando legal de abrangência geral" (63).

Denominada de holding na linguagem dos operadores americanos, a ratio decidendi, para potenciar força obrigatória pamprocessual, deve, pois, possuir um grau de generalização em relação ao próprio caso julgado.

Para a correta inferência da ratio decidendi, propõe-se uma operação mental, mediante a qual, invertendo-se o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a mesma se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a tese originária não pode ser considerada ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva (64).

Como regra necessária à decisão, não se confunde com o obiter dictum, vale dizer, passagem da motivação do julgamento que contém argumentação marginal ou simples opinião, prescindível para o deslinde da controvérsia (65). O obiter dictum, assim considerado, não se presta para ser invocado como precedente vinculante em caso análogo, mas pode perfeitamente ser referido como argumento de persuasão.

Na verdade, os dicta, a despeito de não possuírem qualquer autoridade para predeterminar futuros julgamentos, gozam de valor persuasivo, diretamente proporcional ao prestígio da corte que os expressa; uma eficácia, em suma, equiparável ao labor de cunho doutrinário (66).

Acrescente-se, de outra parte, que se delineia possível aos juízes ingleses, em particular, aos membros da House of Lords, emitirem opinions ou speeches individuais, e que são igualmente publicados nos Law Reports. Tal prática acarreta, com efeito, situações muitas vezes inusitadas e que convidam à reflexão.

Pode ocorrer, por exemplo, que a corte esteja de acordo com a solução a ser dada em determinada causa, mas apresente divergência no legal reasoning, ou seja, na fundamentação jurídica. Qual então seria o princípio vinculante que prevaleceria nesse precedente?

É certo que reasons unânimes dão vida a uma única ratio decidendi. No entanto, pontos de vista convergentes no dispositivo e discordantes na motivação, quando compatíveis em relação ao tema debatido, proporcionam ao intérprete a possibilidade de escolha por uma das duas posições, sendo até passível de ser invocada a posteriori.

Já a situação inversa, ou seja, quando a fundamentação divergente descortina-se incompatível, tem-se uma decisão despida de discoverable ratio, e, portanto, não vinculante no que concerne à solução dada ao caso. Nessa hipótese, as opinions podem até gozar de algum valor, dependendo do prestígio pessoal do juiz que a emitiu (67).

Esses votos divergentes, em algumas situações, também acabam destacando as fissuras da interpretação do paradigma consolidado e, de certo modo, sinalizam possível mudança na apreciação posterior de questão semelhante.

No sistema jurídico do common law, o órgão jurisdicional, após examinar o mérito (assim entendido, o thema decidendum) da questão que lhe é submetida, parte de um processo mental indutivo e empírico, cotejando (distinguishing) o caso a ser julgado com a ratio decidendi de casos já solucionados. Raciocina-se, pois, do particular para o geral.

A complexa atividade lógica de interpretação do precedente judicial vale-se, assim, do método de confronto, denominado distinguishing, pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma.

Assim, o precedente, para produzir eficácia vinculante, deve guardar absoluta pertinência substancial com a ratio decidendi do caso sucessivo, ou seja, deve ser considerado um precedent in point.

Esse referido processo de "distinção", dependendo das circunstâncias, implica dois tipos de atividade dos tribunais: criadora e legislativa. O tribunal pode decidir "um caso de forma contrária à solução dada em um precedente, por meio de interpretação restritiva da regra extraída do precedente em cotejo com o caso sob apreciação. Descobre-se aí alguma diferença juridicamente relevante entre os elementos estruturais dos dois casos. Ao acompanhar um precedente, por outro lado, o tribunal pode afastar um ponto, entendendo que tal aparente exceção não encontra qualquer óbice no ordenamento jurídico. Amplia-se, destarte, a regra do precedente. A despeito dessas duas formas de atividade legislativa deixadas em aberto pela eficácia vinculante do precedente, a praxe do sistema do common law produziu, ao longo do tempo, um corpo de princípios, dos quais um número significativo, quer de maior, quer de menor importância, delineia-se tão preciso como qualquer regra legislada" (68).

Infere-se, daí, a relevância que ostenta, no sistema do case law, a interpretação do precedente judicial no cotejo com o caso concreto. A lógica jurídica, nesse particular, tem como pressuposto o método de "reasoning from case to case".

Em primeiro lugar, o juiz do common law deve aproximar os elementos objetivos que possam identificar a demanda em julgamento com eventual ou eventuais decisões anteriores, proferidas em casos análogos. Procede-se, em seguida, ao exame da ratio decidendi do precedente. Dependendo da postura do juiz, pode este ser interpretado de modo restritivo (restrictive distinguishing) ou ampliativo (ampliative distinguishing).

Isso significa que não se exige submissão "cega" a anteriores decisões. Permite-se à "corte estender um princípio mais além dos limites de um caso antecedente se entender que assim estará promovendo justiça. Caso a aplicação do princípio, entretanto, possa produzir resultado indesejável, o tribunal estreitará ou restringirá o princípio, ou ainda aplicará precedente diverso". Por essa razão, deve ser assinalado que stare decisis não é apenas uma teoria que historicamente resguardou a estabilidade e a uniformidade, visto que suas restrições e ampliações inerentes, bem como os fatores que determinaram a inaplicabilidade de precedentes judiciais, permitem a inafastável flexibilidade do ordenamento do common law, indispensável à evolução e ao progresso do direito (69).

Na questão Peabody Fund v. Sir Lindsay Parkinson Ltd. (1984), a House of Lords interpretou de forma restritiva o precedente Anns v. Merton London Borough (1978). O caso Anns é citado como paradigma para as situações em que se imputa responsabilidade ao município por negligência na fiscalização de obras. No caso Peabody Fund, procurando circunscrever o dever do poder público de proteger os cidadãos ameaçados de dano à saúde ou à segurança, a House of Lords limitou a responsabilidade do município. Assim, a corte não admitiu a ação do proprietário da casa em construção, que alegara prejuízo pela falta de fiscalização no sistema de drenagem, instalado em desacordo com o projeto aprovado. Desse modo, no Peabody Fund, o elemento de distinção restritiva foi a inserção do requisito "possibilidade de dano à saúde ou à segurança".

Como exemplo de interpretação mais extensiva da tese jurídica (ratio) encampada pelo precedente, a doutrina alude à reiterada aplicação em hipóteses sucessivas do expressivo caso Barwick v. The English Stock Bank (1886), atinente à responsabilidade de entidade financeira pelo fato de um preposto ter induzido o demandante, cliente do banco, a aceitar uma garantia despida de valor, prestada por um terceiro, devedor do banco, para lastrear empréstimo que lhe fora concedido pelo referido cliente, com o qual quitou o seu débito. O núcleo da ratio decidendi centrou-se na seguinte argumentação: "no que concerne à questão de saber se um comitente é responsável por ato de seu agente, na execução de negócio realizado no interesse daquele, não se deve fazer qualquer distinção entre a fraude ou qualquer outro ilícito. A regra geral é a de que o comitente é responsável por qualquer ilícito do preposto ou do agente enquanto efetivado na execução do serviço e no interesse do comitente, mesmo que não fique provada qualquer ordem ou solicitação deste".

Em situação posterior, ou seja, no caso Lloyd v. Grace, Smith and Co. (1912), no qual um bancário, cumprindo o seu trabalho, fraudou o autor da demanda em seu próprio benefício, a Suprema Corte inglesa, entendeu aplicável o precedente Barwick v. The English Stock Bank, como se tratasse de caso absolutamente análogo, permitindo abstrair-se da expressão constante da decisão "no interesse do comitente", uma vez que a considerou como mero obiter dictum (alusão incidental) e, portanto, não um elemento essencial da ratio decidendi do precedente invocado (diversamente, aliás, da orientação que prevalecera perante a Court of Appeal) (70).

Essa aparente discricionariedade das cortes inglesas vem delimitada pelo substrato cultural latente de seus componentes e pelo dever de justificar as razões da aplicação ou da rejeição de um certo precedente, a exemplo do que ocorre na esfera do direito codificado, no qual também o julgador deve declinar os motivos pelos quais afastou-se de determinado texto legal (71).

Anote-se, por outro lado, que, quando o juiz se depara com uma questão pela primeira vez (first impression), sem que tenha existido a respeito prévia discussão pelos tribunais, considera-se um hard case (em contraposição aos clears cases, ou seja, amparados por precedentes). Os juízes terão, então, de enfrentar o mérito da controvérsia, deixando, nessa situação, de buscar subsídios imediatos nos Law Reports.

A interpretação do precedente aproxima-se da interpretação da lei, porque sempre haverá um contexto de justificação a legitimar a decisão pleiteada (72).

A peculiaridade da incidência do precedente em cotejo com a aplicação da lei consiste, sobretudo, na amplitude da área de discricionariedade que os juízes possuem. A individuação da ratio decidendi é uma operação heurística de natureza casuístico-indutiva, pela qual a regra jurídica é extraída do confronto entre a anterior decisão e o caso concreto submetido à apreciação judicial.

A sentença do juiz do civil law, a seu turno, também pressupõe um labor intelectual, porém de cunho normativo-dedutivo, no qual deve ser apresentada uma justificação das circunstâncias fáticas e jurídicas que determinaram a subsunção destes a determinado texto de lei.

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Notas

(1)Esclareça-se, de logo, que a locução "precedente judicial", sob o ponto de vista técnico-processual, significa "a decisão individualizada de um caso concreto", da qual se extrai uma tese jurídica que constitui o cerne do respectivo provimento, ou seja, a denominada ratio decidendi, prestando-se a predeterminar ou apenas nortear futuros julgamentos sobre idêntica questão (cf., a respeito da ambiguidade e polissemia da expressão "precedente judicial", Pierluigi Chiassoni, Il precedente giudiziale: tre esercizi di disincanto, Analisi e diritto, Firenze, 2004, p. 77 e segs.).

(2)Robert Alexy e Ralf Dreier, Precedent in the Federal Republic of Germany, Interpreting precedents, obra coletiva dir. por D. Neil MacCormick e Robert S. Summers, Aldershot, Ashgate, 1997.

(3)Il negozio giuridico, 2. ed., Milano, Giuffrè, 2002.

(4)Estampado no periódico dirigido por Galgano, Contratto e impresa, v. 3, Padova, Cedam, 2000, p. 1.081-1.085.

(5)Cf. Larenz, Metodologia da ciência do direito, 3. ed., trad. port. José Lamego, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 615.

(6)Taruffo, Dimensioni del precedente giudiziario, Scintillae iuris: Studi in memoria di Gino Gorla, t. 1, Milano, Giuffrè, 1994, p. 387; Francesco Galgano, Il precedente giudiziario in civil law, Atlante di diritto privato comparato, Bologna, Zanichelli, 1999, p. 31.

(7)V., p. ex., Robert Alexy e Ralf Dreier, Precedent in the Federal Republic of Germany, Interpreting precedents, obra coletiva dir. por D. Neil MacCormick e Robert S. Summers, cit., p. 26.

(8)Precedent in Italy, Interpreting precedents, cit., p. 159.

(9)Thinking like a Lawyer, 1. reed. indiana, Nova Deli, Universal, 2010, p. 68-69.

(10)The history of the common law of England, Chicago, Chicago University, 1971, p. 45.

(11)Commentaries on the laws of England, v. 1, ed. comemorativa da 9. ed., London, Cavendish, 2001, p. 51-52: "(...) For if it be found that the former decision is manifestly absurd or injust, it is declared, not that such a sentence was bad law, but that it was not law; that is, that it is not the established custom of the realm, as has been erroneously determined (...)".

(12)V., e.g., Jones v. Randall (1774). Consulte-se, a propósito, Jim Evans, change in the doctrine of precedent during the nineteenth century, Precedent in law, obra coletiva ed. por Laurence Goldstein, Oxford, Clarendon, 1991, p. 36-38.

(13)Cf. Luisa Antoniolli Deflorian, Il precedente giudiziario come fonte di diritto: l'esperienza inglese, Rivista di Diritto Civile, 39, 1993, p. 156.

(14)Luisa Antoniolli Deflorian, Il ruolo del precedente giudiziale del common law inglese, Il valore dei precedenti giudiziali nella tradizione europea, obra coletiva dir. por Umberto Vincenti, Padova, Cedam, 1998, p. 193-194.

(15)Precedent in english and continental law and case law: a short replication, Law Quartely Review, 50(1934):61, nt. 25.

(16)Mirehouse v. Rennell (1833). V., a respeito, Jim Evans, Change in the doctrine of precedent during the nineteenth century, cit., p. 64; Deflorian, Il precedente giudiziario come fonte di diritto: l'esperienza inglese, cit., p. 155-156.

(17)Eis a ementa do julgado: "LONDON TRAMWAYS COMPANY V. LONDON COUNTY COUNCIL. Prática. Decisão da House of Lords. Até que ponto é vinculante para a House. Uma decisão da House of Lords sobre uma questão de direito é definitiva e vincula a House nos casos sucessivos. Uma decisão errada somente pode ser revista mediante uma lei do Parlamento".

(18)Cf. David F. Pugsley, L'origine della regola stare decisis nella House of Lords e il caso London Tramways (1898), trad. it. Luisa Antoniolli Deflorian, Il valore dei precedenti giudiziali nella tradizione europea (obra coletiva dir. Umberto Vincenti), cit., p. 242-244. É interessante notar que o articulista procura "corrigir" a expressão for some centuries, que poderia estar realmente errada na transcrição do julgamento, avançando a hipótese de que o correto teria sido for some seventy years.

(19)V., a respeito da organização judiciária inglesa depois da reforma do século XIX, Peter Stein, I precedenti nella "common law", na obra coletiva Legge, giudici, giuristi, Milano, Giuffrè, 1982, p. 55.

(20)Guido Fernando Silva Soares, Common law: introdução ao direito dos EUA, 2. ed., São Paulo, RT, 2000, p. 59.

(21)John Philip Dawson, The oracles of the law, Ann Arbor, W. S. Hein, 1986 (reed.), p. 85-86.

(22)Geoffrey C. Hazard e Michele Taruffo, American Civil Procedure: an introduction, New Haven, Yale University, 1993, p. 37 (= La giustizia civile negli Stati Uniti, Bologna, Mulino, 1993, p. 47).

(23)New York, Oxford University, 2008, p. 178-179.

(24)Precedent in the United States (New York State), Interpreting precedents, obra coletiva cit., p. 365.

(25)Cf. Roscoe Pound, El espíritu del "common law", trad. esp. José Puig Brutau, Barcelona, Bosch, s/d., p. 182.

(26)Frederick Schauer, Thinking like a lawyer, cit., p. 41.

(27)Form and substance in anglo-american law, Oxford, Clarendon, 2002 (reed.), p. 121.

(28)Patrícia Perrone Campos Mello, Precedentes, Rio de Janeiro, Renovar, 2008, p. 237 ss.

(29)Anote-se que a Court of Appeal, por exemplo, não tem a prerrogativa de revogar implicitamente as suas próprias decisões. Se porventura proferir julgamento substancialmente divergente de anterior pronunciamento, em caso análogo, sem manifestar a intenção clara de revogar o precedente, será criada uma duplicidade de orientações, gerando evidente incerteza para as cortes inferiores, até que a House of Lords intervenha para fixar qual ratio decidendi deve prevalecer (G. Moretti, La dottrina del precedente giudiziario nel sistema inglese, Contratto e impresa, obra coletiva dir. F. Galgano, Padova, Cedam, 1990, p. 57).

(30)Sartor, Precedente giudiziale, Contratto e impresa, obra coletiva dir. por F. Galgano, Padova, Cedam, 1995, p. 1.345-1.346; Moretti, La dottrina del precedente giudiziario nel sistema inglese, cit., p. 56-57.

(31)Luiz Guilherme Marinoni, Eficácia temporal da revogação da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, Revista dos Tribunais, 906(2011):259.

(32)Cf. Perelman e Olbrechts-Tyteca, Tratado da argumentação: a nova retórica, trad. port. Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira, São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 120: "A inércia permite contar com o normal, o habitual, o real, o atual, e valorizá-lo, quer se trate de uma situação existente, de uma opinião admitida ou de um estado de desenvolvimento contínuo e regular. A mudança, em compensação, deve ser justificada; uma decisão, uma vez tomada, só pode ser alterada por razões suficientes"; Marina Gascón Abellán, La técnica del precedente y la argumentación racional, Madrid, Tecnos, 1993, p. 40.

(33)Johnson v. Cadillac Motor Co. V., a respeito, Benjamin Nathan Cardozo, A natureza do processo judicial, 3. ed., trad. port. Lêda Boechat Rodrigues, Porto Alegre, Ajuris, 1978, p. 146-147.

(34)Anote-se que esse precedente judicial foi também invocado pelo Lord Atkin, perante a House of Lords, e é considerado o leading case em matéria de responsabilidade aquiliana, no qual se anteviu a inconsistência do princípio da relatividade dos efeitos contratuais. Procurando explicar a filosofia dessa possibilidade inerente de "reforma do precedente", vale transcrever trecho de magnífica página da clássica obra de Benjamin Cardozo (Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, de 1932 a 1938), na qual se reporta a passagem de Monroe Smith: "(...) O common law não opera com verdades preestabelecidas, de validade universal e inflexível, para chegar a conclusões derivadas delas, por um processo dedutivo. Seu método é indutivo e ela extrai as suas generalizações de particulares. Esse processo foi admiravelmente fixado por Monroe Smith: 'Em seus esforços para dar ao sentimento social de justiça expressão articulada em regras e em princípios jurídicos, o método dos profissionais na pesquisa do direito sempre foi experimental. As regras e princípios do direito consuetudinário (case-law) nunca foram tratados como verdades finais, mas como hipóteses de trabalho, continuamente reexaminadas nesses grandes laboratórios do direito que são os tribunais de justiça. Cada caso novo é uma experiência; e se as regras aceitas, provavelmente aplicáveis, conduzem a resultado que se sente injusto, a regra é reconsiderada. Pode não ser modificada imediatamente, pois a tentativa de fazer absoluta justiça em cada caso concreto tornaria impossível o desenvolvimento e a manutenção de regras gerais; mas se continua a produzir injustiças, será eventualmente reformulada' (...)" (A natureza do processo judicial, cit., p. 59-60).

(35)V., em senso análogo, Patrícia Perrone Campos Mello, Precedentes, cit., p. 104-105.

(36)Rio de Janeiro, Forense, 1958, p. 327.

(37)O direito, a lei e a jurisprudência, São Paulo, RT, 1974, p. 175.

(38)Cf. Rubens Limongi França, O direito, a lei e a jurisprudência, cit., p. 178-179; Jurisprudência, Enciclopédia Saraiva do Direito, 47(1980):167.

(39)Da jurisprudência, Revista Forense, 202(1963):374.

(40)Efeito vinculante dos julgados da Corte Suprema e dos tribunais superiores, Revista dos Tribunais, 734(1996):46.

(41)Fontes e modelos do direito, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 72.

(42)Cf., nesse sentido, Edgard Silveira Bueno Filho, Os precedentes no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, 716(1995):26.

(43)Alfredo Buzaid, Uniformização da jurisprudência, Ajuris, 34(1985):211.

(44)Roberto Rosas, Direito sumular, Revista Jurídica Lemi, 148(1980):44.

(45)Direito processual civil brasileiro, v. 2, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 1996, p. 374-375.

(46)Terceira Turma, DJU 05.08.02.

(47)Quarta Turma, DJU 13.04.92.

(48)Cf. Roberto Rosas, Direito sumular, 11. ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 10. V., criticando o sistema adotado, Lenio Luiz Streck, Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002, p. 403-405.

(49)Segunda Turma, DJU 05.08.02.

(50)STJ, Quinta Turma, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 468.637-PI, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 02.12.02.

(51)Em diversas ocasiões, criticando a infeliz expressão jurisprudência dominante, tivemos a oportunidade de questionar qual teria sido a verdadeira intenção do legislador: jurisprudência qualitativa ou quantitativamente dominante?...

(52)Oliveira Ascensão, O direito: introdução e teoria geral - uma perspectiva luso-brasileira, 11. ed., Coimbra, Almedina, 2001, p. 317, nt. 476.

(53)Cf. Buzaid, Uniformização da jurisprudência, Ajuris, 34, cit., p. 215.

(54)V., apontando também a incontestável superioridade do instituto previsto na legislação em vigor, José Marcelo Menezes Vigliar, Uniformização de jurisprudência: segurança jurídica e dever de uniformizar, São Paulo, Atlas, 2003, p. 194-195.

(55)Cf. Dinamarco, Súmulas vinculantes, Revista Forense, 347(1999):64.

(56)Cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 16. ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 56-57.

(57)Julio Cueto Rua, Fuentes del derecho, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1994, p. 169; Cruz e Tucci, Precedente judicial como fonte do direito, São Paulo, RT, 2004, p. 275.

(58)Francesco Galgano, L'interpretazione del precedente giudiziario, Contratto e impresa, obra coletiva dir. por Galgano, Padova, Cedam, 1985, p. 701.

(59)Luisa Antoniolli Deflorian, Il ruolo del precedente giudiziale del common law inglese, Il valore dei precedenti giudiziali nella tradizione europea, cit., p. 182.

(60)Sartor, Precedente giudiziale, cit., p. 1.321. Cf., também, Teresa Wambier, Respect for judicial precedent: civil and common law compared, texto inédito cedido pela autora. Cambridge, 2008, p. 43.

(61)V., por todos, MacCormick, Why cases have rationes and what these are, Precedent in law, obra coletiva ed. por Laurence Goldstein, cit., p. 162-163.

(62)Perelman e Olbrechts-Tyteca, Tratado da argumentação, cit., p. 122, que se referem a Aristóteles, em passagem alusiva a Isócrates (Sobre a troca, 173).

(63)Cf. MacCormick, The motivation of jugement in the common law, La motivation des décisions de justice, obra coletiva, Bruxelles, É. Bruylant, 1978, p. 183.

(64)Sartor, Precedente giudiziale, cit., p. 1.309.

(65)A respeito dessa distinção, v. Rupert Cross, Precedent in english law, 3. ed., Oxford, Clarendon, 1977, p. 80 s.; Francesco Galgano, L'interpretazione del precedente giudiziario, cit., p. 701 ss.; Gino Gorla, Precedente giudiziale, Enciclopedia giuridica treccani, 23(1990):10 ss.

(66)Cf. Ugo Mattei, Precedente giudiziario e stare decisis, Digesto delle discipline privatistiche: sezione civile, 4. ed., Torino, Utet, 2007, p. 155.

(67)Confira-se, a propósito, Moretti, La dottrina del precedente giudiziario nel sistema inglese, Contratto e impresa, cit., p. 689. Sobre o estilo dos pronunciamentos da House of Lords, que hoje é integrada por 12 Law Lords, v. Lord Wilberforce, La Chambre des Lords, La Cour Judiciaire Suprême: une enquête comparative, obra coletiva dir. por Pierre Bellet e André Tunc, Paris, Economica, 1978, p. 94-95; Cruz e Tucci, Direito processual civil inglês, Direito processual civil europeu contemporâneo (obra coletiva), São Paulo, Lex, 2010, p. 218 ss.

(68)Herbert L. A. Hart, O conceito de direito, 3. ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 148.

(69)Edward D. Re, Stare decisis, Revista Jurídica, trad. port. Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre, 198(1994):30.

(70)Giovanni Sartor, Precedente giudiziale, cit., p. 1.343.

(71)Neil MacCormick, Legal reasoning and legal theory, ed. rev., Oxford, Clarendon, 1994, p. 215.

(72)MacCormick, Legal reasoning and legal theory, cit., p. 214.





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